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1.7.11

ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte III)



Tradição e Modernidade

(...) entenderam que a produção de subjetividade talvez seja mais importante do que qualquer outro tipo de produção, mais essencial até do que o petróleo e as energias. É o caso do Japão, onde não tem petróleo, mas se tem – e como! – uma produção de subjetividade. É essa produção que permite à economia japonesa se afirmar no mercado mundial, a ponto de receber a visita de centenas de delegações patronais que pretendem “japonizar” as classes operárias de seus países de origem.
Félix Guattari

Sou forçado a crer que o trabalhador japonês não foi forjado pelo capitalismo. Lá, onde muitos tendem a ver como um apogeu do capitalismo, ou o triunfo do individualismo, sou tentado a ver um misto, uma interseção entre tradição e modernidade. Sabe-se que os japoneses começaram por assimilar as tecnologias existentes nos países europeus de industrialização avançada. Mas, não se limitaram a uma simples imitação. Estabeleceram um rigoroso processo de seleção e de reapropriação dessas tecnologias, aperfeiçoando, assim, o seu uso. A competência tecnológica japonesa se tornou possível, não só através de conhecimentos técnicos, mas sim a partir de um conjunto de comportamentos, de práticas sociais, que asseguraram o desenvolvimento concreto das ciências e das técnicas no cerne dos processos industriais. Dessa forma, foi possível o Japão alcançar uma performance superior às dos seus concorrentes, que só pode ser obtida graças a uma qualidade inédita de organização e de implicação dos trabalhadores.

Vejo aí uma contribuição das antigas tradições, estabelecendo a ordem do sistema capitalista japonês. Esse sistema vitalício de emprego leva a uma identificação da vida profissional à vida de uma empresa, e a vida da empresa à vida pessoal. Comparado com o ocidente, podemos dizer que as jornadas de trabalho são maiores. Mas também podemos dizer que na sociedade japonesa, o trabalho não é visto como realidade isolada, individualizada, inteiramente divorciada do homem que a realiza. (...) vida profissional e vida pessoal acabam quase por se confundir. As preocupações relativas ao trabalho estendem sua interferência além das horas estritamente passadas na fábrica: alimentam as conversas à noite e nos fins de semana,onde se encontram os assalariados que trabalham em um mesmo departamento ou fábrica¹.

Contrariamente à prática dominante no França [e no ocidente em geral], em que cada indivíduo teria interesse para sua própria promoção e para sua própria proteção, em reter saber, no Japão, a atitude é diametralmente inversa. Não apenas as transferências recíprocas de conhecimento e de experiência são legítimas e favorecidas, como também os comportamentos individualistas de reter saberes são julgados negativamente e enfraquecem a posição do indivíduo que os praticaria. Por outro lado, sendo o coletivo a base da organização, ele se torna naturalmente um lugar de acolhimento e de socialização, onde as diferenças de competência são reconhecidas como normais e motivam a tomada de iniciativa, por parte do coletivo, do preenchimento de carências ou deficiências profissionais que os indivíduos venham a manifestar¹.

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