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1.7.11

ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte I)



Minha pequena genealogia do Japão

O que eu espero discutir aqui neste post é a respeito do que se passa do outro lado do mundo. Todos sabem que o Japão é uma das maiores potências econômicas mundiais, perdendo apenas para os Estados Unidos e, talvez, para a China, que vem crescendo cada vez mais nos últimos anos. Mas o que estou colocando em questão é se o desenvolvimento econômico japonês acompanha, ou não, um conjunto de práticas ocidentais que tem o indivíduo como elemento essencial. Quero mostrar que, mesmo numa grande potência capitalista, a noção de individualidade pode não existir, e o indivíduo deve adequar-se às necessidades de um coletivo.

Algumas discussões em sala de aula sempre nos levam a comparar nossas culturas regionais e, às vezes, mais longe, tomamos como comparação diferentes sociedades. Aí aparecem comentários de que na terra do Tio Sam é assim, no Japão é assado, blá, blá, blá. Esse papo, às vezes, me incomoda, aliás, apesar de certo conhecimento de nossa parte, quem somos nós para dizer o que se passa lá na terra do sol nascente? Quem somos nós pra julgar o modelo capitalista japonês? Será que realmente conhecemos como funciona a exploração do trabalho no Japão? Quem somos nós pra especular sobre o suicídio dos jovens japoneses? Da onde tiramos as idéias de que japonês fica feliz quando algum ente querido morre? Japão. Japonês. Japão... Não que eu esteja dizendo que essas explanações estejam erradas (se bem que não concordo com algumas delas), mas só quero apresentar minha maneira de interpretar a realidade nipônica. Como mostra a socióloga Helena Hirata¹, é uma ousadia vermos o modelo de produção e industrialização japonês totalmente isolado de seu contexto, de sua história e das contradições sociais em que foram gerados.

Não, eu também nunca fui lá. Nunca saí do Brasil, quem dirá ir pro outro lado do mundo. E também não sou dono da verdade, aliás, quem sou eu também? Mas quero propor aqui uma nova perspectiva para que possamos perceber aquela cultura, que realmente está muito longe da nossa, com uma nova visão, que não aquela que faz com que vejamos o Japão do mesmo modo que outras grandes potências econômicas onde o que se tem em vista não é o coletivo e sim o capital.

Também não estou tomando uma posição de defesa, ou de 'puxa-saco', do Japão. Pelo contrário, meus sete anos de práticas de artes marciais japonesas me levaram a entender um pouco mais da cultura nipônica, e fizeram com que certo interesse da minha parte por essa cultura desse lugar a um sentimento de ‘como é bom ser brasileiro’. Mais do que entender, essas mesmas práticas contribuíram para que eu pudesse sentir um pouco desses costumes, aliás, é o mesmo bushidô, que pretendo apresentar aqui, que entra com o sufixo em karate-dô, judô, aikidô, kendô e tantos outros, mostrando que essas artes são mais do que técnicas de luta. Este pode ser traduzido como uma conduta, um caminho, um conjunto de métodos que visam o desenvolvimento pessoal, a formação do caráter, a disciplina dos praticantes. E são essas mesmas condutas, os mesmos rituais, que penetram em toda sociedade japonesa. Seja na grande metrópole de Tóquio, ou num vilarejo do isolado arquipélago de Ryukyu, o bushidô (ou budô) está presente nas empresas, na escola, nas academias, nas casas, na hora de comer.

E é exatamente neste ponto que eu queria chegar. Como este antigo fenômeno cultural, que teve origem no período feudal japonês, se manteve até hoje e se adaptou ao modelo capitalista introduzido pelos ocidentais, principalmente ingleses, no século XIX – período que marca também o fim do período feudal – e mais tarde pelos americanos após a segunda grande guerra?

Um comentário:

Candy disse...

I couldn't agree more com a visão sobre o capitalismo no Japão! Não dá pra generalizar, é uma cultura fascinante, riquíssima e tradicional. Gostei da sua genealogia, Eduardo!