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14.7.11



FILOSOFIGHTERS
As Grandes Batalhas da Filosofia

A revista Super Interessante deste mês apresenta algumas batalhas entre pensadores na busca de uma resposta para diferentes perguntas. Neste post vou reproduzir os principais trechos. De que lado você vai entrar?

CADA UM POR SI, DEUS CONTRA TODOS
A Disputa Mais Antiga de Todos os Tempos: DEUS EXISTE?

Santo Agostinho X Nietzsche

Para os filósofos da Igreja Católica, é claro que Deus existe, pois o tudo não pode vir do nada. Alguém tem que ser o responsável pelo mundo e por todas as coisas que ele contém – e esse é Deus. Simples assim, golpe certeiro.

“Todos os deuses estão mortos”, dizia Nietzsche. Ele afirma que humanos são seres sem consciência de sua pequenez e sua vida passageira que se acham o máximo por ter um intelecto. Para ele foi essa inteligência medíocre que inventou o Deus que conhecemos.


EQUÍLIBRIO DE FORÇAS
Todos os Homens São Iguais? Alguns São Mais Iguais do Que Outros?

Locke X Aristóteles
Para os Iluministas, os homens são absolutamente iguais. Segundo John Locke, a igualdade é tanta que, se alguém for tratado de maneira diferente por seu governante, ele tem o direito de se rebelar e partir para a luta. Nocaute na discriminação.

Aristóteles acreditava que homens robustos são predispostos ao trabalho braçal, mas não tem capacidade intelectual ou moral. Esses estariam destinados à escravidão e a agressões. Já magrelos e nerds nasceram para estudar e comandar a política.


VALE TUDO NO VALE-TUDO?
Somos Realmente Livres? O Golpe Baixo do Existencialismo.

Aristóteles X Sartre
Aristóteles dizia que o homem é livre desde que nada impeça ou limite essa liberdade. Ou seja, assim como no vale-tudo não vale furar o olho, o homem é livre só dentro das regras.

Mas Jean-Paul Satre contra-ataca: para ele, somos tão livres que podemos até escolher furar as regras porque podemos nos responsabilizar pelas conseqüências e ser punidos. Quer dizer, furo no zóio do Aristóteles.



A LUTA DO BOM CONTRA O MAU
O Homem Nasce Bom, e a Sociedade o Estraga? Ou a Espécie Humana Não Tem Jeito?

Rousseau X Hobbes
Na floresta, o homem era bom e vivia da natureza, sem guerras. Até que alguém criou a propriedade privada e a sociedade. Daí para a frente ficamos competitivos e egoístas. Pelo menos é o que dizia Jean-Jacques Rousseau.

Thomas Hobbes acaba de vez com a luta: para ele, a competição e a noção de que o mais forte vence são inerentes à natureza humana. Desse modo, não poderíamos ter criado um mundo sem brigas.


UMA BATALHA SEM SENTIDO
Para Que Tudo Isso? Nossa Vida Tem Sentido?

Kant X Platão

Para Kant, a vida na Terra tem sentido. Mas não para os indivíduos, só para o homem como espécie. Quer dizer, já que o homem é o único ser racional, sua função na Terra é pensar e produzir conhecimento.

Mas Platão não desiste. Para ele, o propósito existe, mas não está ao alcance dos homens, já que fica no mundo das ideias (aquele mundo paralelo que ele criou no qual tudo era imutável e perfeito).



Ah, e ainda criaram um joguinho para você que quer dar umas palmadas em Santo Agostinho, ou em Descartes, Marx ou Maquiavel. É só acessar o site da Super:

  


1.7.11

ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte IV)



Considerações Finais

Um outro ponto que enfatiza um caráter tradicional na sociedade japonesa é a questão do trabalho profissional feminino. (...) as mulheres jovens que, teoricamente, poderiam ter acesso ao sistema de emprego vitalício, estando empregadas como assalariadas estáveis em grandes empresas, são, de fato, precocemente rejeitadas quando estão em idade de ter filhos e forçadas, social e materialmente, a dedicar-se exclusivamente à atividade doméstica. Uma vez terminada a criação dos filhos, para uma parte dentre elas, o retorno a uma atividade assalariada as exclui do sistema dominante de emprego e torna-as, de fato, uma das reservas privilegiadas da constituição de mão-de-obra precária, especialmente as assalariadas em regime parcial.

Podemos agora especular sobre o suicídio também. Diferente do ocidente, a sociedade japonesa tem certa tolerância ao suicídio. As religiões predominantes no Japão não consideram esta prática um pecado, alguns até veem o gesto de forma aceitável, e até valorizada, de se resolver uma situação. Se a pessoa estiver em alguma situação problemática, o suicídio é uma saída honrosa. O suicídio é uma tradição antiga no país, os samurais o utilizavam quando não tinham êxito em uma missão. Na 2ª Guerra Mundial, muitos militares tiraram suas próprias vidas para lavar a honra da nação após a derrota para os norte-americanos, e também não podemos nos esquecer dos kamikazes. Até mesmo idosos muitas vezes se matam para não “atrapalhar” a família.

Quanto aos jovens estudantes, um fator que ajuda a explicar a alta incidência de suicídio é a rigidez da sociedade, que atribui enorme importância a valores como honra e vergonha. A entrada nesse sistema de trabalho apresentado nos posts anteriores é altamente seletiva. Os trabalhadores são cuidadosamente selecionados, e as escolhas que os jovens vão fazer, ainda nas instituições educativas, determinarão suas vidas para sempre. A concorrência acirrada, a insegurança entre os jovens quanto ao futuro, e a pouca exposição de seus problemas à sociedade, junto a uma tradição histórica levam ao grande número de suicídios no país.

Bem, confesso que neste ensaio deixei muitas coisas vagas na medida em que a intenção era apenas mostrar minha opinião em um (ou vários) posts num blog. Mas acredito que tenha sido suficiente para mostrar minha visão do que acontece naquele país que, apesar de ser uma grande potência econômica, não se assemelha com as potências ocidentais e, portanto, não podemos ver os fatos que lá ocorrem ligados a uma visão puramente capitalística.

¹HIRATA, Helena; ZARIFAN, Philippe. Força e fragilidade do modelo japonês. Estudos Avançados vol. 5 n°12 São Paulo 1991

UENO, Kayoko. Suicide as Japan’s major export? A note on Japanese Suicide Culture. Revista Espaço Acadêmico n°44. 2005
ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte III)



Tradição e Modernidade

(...) entenderam que a produção de subjetividade talvez seja mais importante do que qualquer outro tipo de produção, mais essencial até do que o petróleo e as energias. É o caso do Japão, onde não tem petróleo, mas se tem – e como! – uma produção de subjetividade. É essa produção que permite à economia japonesa se afirmar no mercado mundial, a ponto de receber a visita de centenas de delegações patronais que pretendem “japonizar” as classes operárias de seus países de origem.
Félix Guattari

Sou forçado a crer que o trabalhador japonês não foi forjado pelo capitalismo. Lá, onde muitos tendem a ver como um apogeu do capitalismo, ou o triunfo do individualismo, sou tentado a ver um misto, uma interseção entre tradição e modernidade. Sabe-se que os japoneses começaram por assimilar as tecnologias existentes nos países europeus de industrialização avançada. Mas, não se limitaram a uma simples imitação. Estabeleceram um rigoroso processo de seleção e de reapropriação dessas tecnologias, aperfeiçoando, assim, o seu uso. A competência tecnológica japonesa se tornou possível, não só através de conhecimentos técnicos, mas sim a partir de um conjunto de comportamentos, de práticas sociais, que asseguraram o desenvolvimento concreto das ciências e das técnicas no cerne dos processos industriais. Dessa forma, foi possível o Japão alcançar uma performance superior às dos seus concorrentes, que só pode ser obtida graças a uma qualidade inédita de organização e de implicação dos trabalhadores.

Vejo aí uma contribuição das antigas tradições, estabelecendo a ordem do sistema capitalista japonês. Esse sistema vitalício de emprego leva a uma identificação da vida profissional à vida de uma empresa, e a vida da empresa à vida pessoal. Comparado com o ocidente, podemos dizer que as jornadas de trabalho são maiores. Mas também podemos dizer que na sociedade japonesa, o trabalho não é visto como realidade isolada, individualizada, inteiramente divorciada do homem que a realiza. (...) vida profissional e vida pessoal acabam quase por se confundir. As preocupações relativas ao trabalho estendem sua interferência além das horas estritamente passadas na fábrica: alimentam as conversas à noite e nos fins de semana,onde se encontram os assalariados que trabalham em um mesmo departamento ou fábrica¹.

Contrariamente à prática dominante no França [e no ocidente em geral], em que cada indivíduo teria interesse para sua própria promoção e para sua própria proteção, em reter saber, no Japão, a atitude é diametralmente inversa. Não apenas as transferências recíprocas de conhecimento e de experiência são legítimas e favorecidas, como também os comportamentos individualistas de reter saberes são julgados negativamente e enfraquecem a posição do indivíduo que os praticaria. Por outro lado, sendo o coletivo a base da organização, ele se torna naturalmente um lugar de acolhimento e de socialização, onde as diferenças de competência são reconhecidas como normais e motivam a tomada de iniciativa, por parte do coletivo, do preenchimento de carências ou deficiências profissionais que os indivíduos venham a manifestar¹.
ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte II)

filme: The Last Samurai (2003)


Bushidô: O Caminho dos Samurais

Bushidô (bushi: samurai, guerreiro; do: caminho) pode ser traduzido literalmente como caminho do guerreiro. Ou seja, é um conjunto de práticas e disciplinas que determinavam o modo de vida da classe guerreira do Japão feudal, os samurais, que, segundo dados históricos existiram desde o século XII até o XIX.

Lealdade, etiqueta, e educação eram princípios pregados pelo bushido. Um samurai honrado deveria ser leal a seus superiores. Mas o caminho do guerreiro não era apenas o da espada. O samurai tinha que se dedicar e apreciar tanto a arte da guerra quanto a arte do saber. Esta filosofia se estende ao ambiente familiar, à criação dos filhos, o cultivo de uma boa aparência, a prática da leitura ou escrita etc. A etiqueta deve ser seguida todos os dias da vida cotidiana, até mesmo na guerra. Os samurais também precisavam ter autocontrole, desapego e disciplina para manter a sua honra. Enfim, justiça e sinceridade, moral e honestidade, honra e glória, são virtudes que mediavam suas vidas, o caminho do guerreiro exige que a conduta de um homem seja correta em todos os sentidos.

A partir do século XVII, o bushido começa a perder sua importância como instrumento de guerra e a ganhar uma conotação mais educacional. Após a restauração Meiji, período que marca o fim do sistema feudal do Japão no século XIX, a classe guerreira deixou de existir e, assim, nada mais restava das antigas circunstâncias que sustentavam as tradicionais técnicas de guerra. As transformações políticas ocorridas na era Meiji possibilitaram a centralização da administração pública no país e a intervenção do Estado na economia. Por sua vez, isso permitiu a assimilação da tecnologia ocidental, preparando o Japão para o capitalismo.

Para preservar as tradições do bushidô foram necessárias mudanças para se adaptar aos novos tempos. O budô aparece então como ferramenta educacional e formadora de caráter. Através dessas práticas se cultivaria o corpo, a mente e o espírito para o auto-desenvolvimento. Com a extinção dos samurais, as técnicas estavam agora abertas para toda sociedade. Não se buscava mais a eficiência militar, mas caminhos educacionais para o aperfeiçoamento humano que estavam agora ao alcance de qualquer um. Assim, como já havia mencionado no post anterior, algumas práticas marciais adequaram seus métodos com a incorporação da filosofia do budô.
  
O caminho do guerreiro adquiriu um novo sentido quando descobrimos que o mais perigoso na verdade está em nós mesmos. Neste contexto, podemos considerar o budô como caminho que conduz ao nosso desenvolvimento interior. No entanto, o budô, não se pratica apenas num dojo, pois trata-se de uma arte de viver que se experimenta a cada instante, e deve ser seguido todos os dias da vida cotidiana, em cada ato. Daí a forte influência do bushidô no estilo de vida do povo japonês.

É difícil dizer como e até que ponto essa tradição está integrada, subjetivamente, nos indivíduos. Mas isso me parece ser um elemento essencial na forma como se constitui a sociedade nipônica até hoje, da maneira como eles se relacionam entre si e com os estrangeiros, nos momentos de guerra [com os kamikazes], nas situações de catástrofes, e até mesmo como se estabelece o sistema sócio-econômico japonês.
ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte I)



Minha pequena genealogia do Japão

O que eu espero discutir aqui neste post é a respeito do que se passa do outro lado do mundo. Todos sabem que o Japão é uma das maiores potências econômicas mundiais, perdendo apenas para os Estados Unidos e, talvez, para a China, que vem crescendo cada vez mais nos últimos anos. Mas o que estou colocando em questão é se o desenvolvimento econômico japonês acompanha, ou não, um conjunto de práticas ocidentais que tem o indivíduo como elemento essencial. Quero mostrar que, mesmo numa grande potência capitalista, a noção de individualidade pode não existir, e o indivíduo deve adequar-se às necessidades de um coletivo.

Algumas discussões em sala de aula sempre nos levam a comparar nossas culturas regionais e, às vezes, mais longe, tomamos como comparação diferentes sociedades. Aí aparecem comentários de que na terra do Tio Sam é assim, no Japão é assado, blá, blá, blá. Esse papo, às vezes, me incomoda, aliás, apesar de certo conhecimento de nossa parte, quem somos nós para dizer o que se passa lá na terra do sol nascente? Quem somos nós pra julgar o modelo capitalista japonês? Será que realmente conhecemos como funciona a exploração do trabalho no Japão? Quem somos nós pra especular sobre o suicídio dos jovens japoneses? Da onde tiramos as idéias de que japonês fica feliz quando algum ente querido morre? Japão. Japonês. Japão... Não que eu esteja dizendo que essas explanações estejam erradas (se bem que não concordo com algumas delas), mas só quero apresentar minha maneira de interpretar a realidade nipônica. Como mostra a socióloga Helena Hirata¹, é uma ousadia vermos o modelo de produção e industrialização japonês totalmente isolado de seu contexto, de sua história e das contradições sociais em que foram gerados.

Não, eu também nunca fui lá. Nunca saí do Brasil, quem dirá ir pro outro lado do mundo. E também não sou dono da verdade, aliás, quem sou eu também? Mas quero propor aqui uma nova perspectiva para que possamos perceber aquela cultura, que realmente está muito longe da nossa, com uma nova visão, que não aquela que faz com que vejamos o Japão do mesmo modo que outras grandes potências econômicas onde o que se tem em vista não é o coletivo e sim o capital.

Também não estou tomando uma posição de defesa, ou de 'puxa-saco', do Japão. Pelo contrário, meus sete anos de práticas de artes marciais japonesas me levaram a entender um pouco mais da cultura nipônica, e fizeram com que certo interesse da minha parte por essa cultura desse lugar a um sentimento de ‘como é bom ser brasileiro’. Mais do que entender, essas mesmas práticas contribuíram para que eu pudesse sentir um pouco desses costumes, aliás, é o mesmo bushidô, que pretendo apresentar aqui, que entra com o sufixo em karate-dô, judô, aikidô, kendô e tantos outros, mostrando que essas artes são mais do que técnicas de luta. Este pode ser traduzido como uma conduta, um caminho, um conjunto de métodos que visam o desenvolvimento pessoal, a formação do caráter, a disciplina dos praticantes. E são essas mesmas condutas, os mesmos rituais, que penetram em toda sociedade japonesa. Seja na grande metrópole de Tóquio, ou num vilarejo do isolado arquipélago de Ryukyu, o bushidô (ou budô) está presente nas empresas, na escola, nas academias, nas casas, na hora de comer.

E é exatamente neste ponto que eu queria chegar. Como este antigo fenômeno cultural, que teve origem no período feudal japonês, se manteve até hoje e se adaptou ao modelo capitalista introduzido pelos ocidentais, principalmente ingleses, no século XIX – período que marca também o fim do período feudal – e mais tarde pelos americanos após a segunda grande guerra?

13.6.11

BEM-VINDO AO MARAVILHOSO MUNDO DE TIBIA

“O ambiente é soturno, uma sala escura, paredes pintadas de azul marinho e prateado. O ar é artificial, beirando sempre os 20° C temperados pelo enorme ar condicionado interno. A luz apagada e o brilho hipnótico dos monitores iluminavam os rostos absortos. (...) Os gritos e xingamentos entre os jovens que jogavam games, impediam que me concentrasse nos meus afazeres digitais e, acima de tudo, eu considerava um “desrespeito” estarem aos berros num lugar em que nem todos estavam realizando a mesma atividade.

(...) Meu computador permaneceu estragado por quase um mês e eu me via obrigada a freqüentar a lan house diariamente para acessar a Internet. Escolhia ir ao início da tarde, na esperança de que não houvesse muitos jovens jogando, mas, para minha insatisfação, eles estavam sempre lá, em qualquer horário, ao menos um, e esse um, mesmo que mais contido, seguia as mesmas ações de seus amigos e, a qualquer momento, um grito tirava-me de minha serena concentração: “AAAAHHHH, VOU MORRER, VOU MORRER!” “VEM, MEU, VEM, ELES VÃO ME MATAR!... VEM LOGO”.

A situação piorava muito quando era um grupo de quatro ou mais pessoas jogando. Mas foi justamente num dia de grande euforia (...) [que] levantei-me de minha cadeira, na tentativa de ser vista, e decidi que faria alguma reclamação. Eles estavam completamente absortos nos vídeos, com fones nos ouvidos e inteiramente vidrados no jogo. (...) Fiquei observando o que se passava, tentando entender aquela gritaria, aquele monte de jovens entrando e saindo, caminhando pela sala. Naquele instante, a minha perturbação virou curiosidade antropológica. O computador que, no meu entendimento, era algo privado, solitário e de relação quase que em simbiose mental e silenciosa entre sujeito e máquina, de repente estava sendo usado em grupo com tanta excitação, gritaria, agito e comoção.”

Esse foi um fragmento de um artigo publicado pela antropóloga Vanessa Andrade Pereira, no qual ela procura apresentar a sociabilidade juvenil por meio das Lan Houses e das interações através de jogos online. Vanessa descreveu o cotidiano de jovens e buscou demonstrar como eles intensificam seus laços sociais através do Tibia.


Fonte: tibia.com
Para quem não sabe, Tibia é um dos mais antigos e mais bem sucedidos jogos multiplayer online. Neste jogo, criado por estudantes alemães, pessoas de todo o mundo se encontram em um mundo virtual para explorar áreas, resolver enigmas complicados e realizar façanhas heróicas. No jogo, são representadas cidades no estilo medieval, florestas, cavernas, desertos, rios e mares, e outros dos mais diversos ambientes, onde os personagens não tem um objetivo específico para finalizar o jogo, pois não se trata de uma história linear. O jogador escolhe o que quer e quando fazer: se quer participar de eventos, conversar, formar grupos, comercializar, treinar, etc. é uma comunidade virtual sem limites de descobertas.

Apesar de ser mais comum entre jovens e crianças, o Tibia é jogado sem distinção de classe, gênero e idade. Para apresentar o mundo ‘tibiano’ aos pais, a empresa responsável pelo jogo disponibilizou informações (que estão sintetizadas a seguir) que demonstram como essas experiências sociais de mundos virtuais podem contribuir positivamente no desenvolvimento da criança.

Em primeiro lugar, para quem critica os jogos digitais como anti-sociais, cabe mencionar que, dentro do ambiente de jogo, é constante o relacionamento com outras pessoas e a formação de grupos em busca de um objetivo geral, o que acaba gerando o conceito de comunidade. Também, neste contexto, é necessário que a criança, ou adolescente (ou seja lá quem for) tome iniciativa numa conversa ou negociação, desenvolvendo seu lado comunicativo.

O respeito às normas do jogo é outro fator importante. Não somente às leis oficias do jogo, mas também às regras que os jogadores estabelecem entre si para que seja possível um ambiente ideal para o desenvolvimento comum. Assim, os jogadores sempre tem em mente as regras de conduta que devem ser seguidas para a manutenção de um ambiente ideal (se bem que nem sempre são seguidas).


Fonte: da web
Outros elementos de Tibia (e de outros jogos online), como criatividade, o exercício do idioma, conceitos básicos de economia dentre outros, poderiam ser considerados aqui. Mas o importante mesmo é lembrarmos que, em muitos casos, o contato interpessoal dentro do jogo, citado anteriormente, passa para o âmbito real, e o jogo fica apenas como um elemento (aliás, um dos) concentrador do grupo, como nota a antropóloga. Grupo este que compreende uma ‘rede de relações’ que vai além do jogo, relações essas que envolve parentesco, amizades de infância ou de escola, namoros, situações de disputa de poder e prestígio, de briga, proteção, ameaças, drogas, constrangimentos e favorecimentos, envolve vários valores dentro e fora do jogo: honra, lealdade, virilidade, beleza, astúcia, sinceridade, honestidade.

Em uma entrevista à revista IHU on-line, a antropóloga Vanessa A. Pereira lembra:

“Os valores da juventude digital são os mesmos da sociedade, das relações familiares. É um erro pensar que o game “cria” um valor que possa ser desconectado de uma referência de vida dos jogadores. (...) Dizer que games de disputas promovem e incentivam a violência, é um exagero. Há uma série de trabalhos na área das Ciências Cognitivas que exaltam a importância do game para o desenvolvimento de certas habilidades em jovens com problemas de dislexia, por exemplo.”

E, para finalizar suas considerações em seu artigo, descreve:

 “No Tibia os níveis de amizade, parcerias e proteções são construídos, mantidos ou quebrados de acordo não só com escolhas pessoais, mas, a partir de uma rede de relações do mundo offline, que interfere e emana para o game.”

A lan-house vai além de jogos e internet, é um local de zuação e diversão, os jovens vão lá para encontrar amigos. Nunca presenciei, ou sequer ouvi relatos de consumo de drogas. Apesar de certa liberdade dada aos jovens, são raras as discussões, e quando ocorrem são logo apaziguadas pelo grupo. Vanessa Pereira ainda nota que, apesar de casos em que os estudantes se ausentem às aulas, é necessário que se reflita a situação da escola (principalmente o ensino público) e a consideração dos jovens ao sistema de ensino. É preciso lembrar também que, o que muitos consideram como 'vício' em games, é só um momento da vida destas pessoas, e essa fixação poderia se dar pela bicicleta, skate... Além do mais, os jovens não deixam de namorar, jogar bola ou ajudar os pais, como diz a antropóloga em entrevista de 2008 à Central da Periferia do Fantástico.

Enfim, o que se busca é desmistificar o cotidiano do jovem dentro da lan-house e em relação aos jogos on-line. Cotidiano que é muito discriminado por quem não compartilha desta realidade, e que é apresentado aqui como parte, como uma continuidade de nossas relações dentro de casa, na escola, ou na rua, e que serve da mesma forma como experiência que vamos levar durante toda nossa vida.

“Parecia inofensivo, mas já te dominou.
Foi ver como que era, provou, gostou,
e nunca mais parou.
Tem gente que critica, mais é porque nunca jogou,
na lan-house o bagulho domina, até o dono já viciou.

Tibia. Esse jogo é ‘mó’ atraso.
Só quem tá ali perto, é quem tá ligado.
Ai, eu canto assim porque foi o que eu vivi,
vejo vários manos que não são diferentes de mim
(...)”
                                    Fatos Reais (MC Tibiano)



Para quem quiser saber mais sobre a experiência da autora dentro da lan-house e sua iniciação dentro do mundo do Tibia, é só CLICAR AQUI.

PEREIRA, Vanessa Andrade. Entre games e folgações: apontamentos de uma antropóloga na lan house Nov. 2007. Etnográfica 11 (2): 327-352

3.6.11

DAS MOSCAS AO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO

Foto: da web
www.psicoedu.com.br/2016/10/psicologo-escolar-educacional.html

O tema do meu trabalho de conclusão de curso em ciências biológicas foi Veiculação de Ovos de Helmintos por Dípteros Muscóides no Zoológico Municipal de Volta Redonda. Traduzindo, o trabalho consistia basicamente em capturar moscas, aqueles bichinhos que todo mundo adora, e ver se eles estavam carregando ‘ovinhos’ de vermes. É o seguinte, as moscas tem diversos hábitos alimentares, e, dentre eles, as fezes (é, cocô), que é um ótimo substrato, não só para alimentação das moscas adultas, mas também para o desenvolvimento das larvas. 
 
Acontece que durante a visita da Dona Mosca na ‘bosta’ ela acaba se contaminando, e sai de lá carregando um monte de bactérias, protozoários, ovos de vermes e até mesmo vermezinhos que já estão na atividade. Agora, advinham onde elas vão passear depois que saem da tal ‘bosta’. Isso mesmo, na sua salada, no seu bife, no seu suco, enfim, em toda sua comida, além de pousar em toda sua casa, isso quando não aterrissam direto no seu nariz. Vários estudos já demonstraram esta capacidade de transporte, pelas moscas, de diferentes ovos de vermes, entre eles Ascaris (lombriga), Trichuris, Taenia, além de outras espécies não muito freqüentes em humanos.

Foto: da web


Mas não vou me limitar a falar de moscas aqui. Um estudo realizado em 2009 avaliou a presença de ovos de vermes em ônibus da cidade de Belo Horizonte. Resultado, em 100% dos ônibus avaliados foram encontrados os malditos ovos, distribuídos entre bancos, roleta, corrimão, mesa do cobrador... tinha ovo pra tudo quanto é lado¹. Não podemos esquecer também das hortaliças, que são um dos principais veículos de transmissão dessas enfermidades intestinais. Um estudo de 2006 em Florianópolis analisou a presença de parasitas em hortaliças como alface, agrião e rúcula. Todas as variedades examinadas apresentaram elevados percentuais de contaminação².



Foto: da web
Estes exemplos em capitais servem também para não falarem que ‘verme’ é coisa de interior. Nosso país possui clima e situação socioeconômica favoráveis à ocorrência de doenças parasitárias, tanto em áreas rurais quanto em urbanas, devido às baixas condições sanitárias, as parasitoses intestinais são amplamente disseminadas².

Na infância, tanto em pré-escolares quanto escolares, são muito frequentes estas parasitoses intestinais que estão intimamente relacionadas a um déficit no desenvolvimento físico e cognitivo das crianças. Uma possível explicação para estes efeitos está associada à desnutrição, e, portanto, à limitação das reservas de energia disponíveis para os indivíduos infectados, reduzindo sua capacidade para o trabalho físico e mental, sua motivação, sua concentração e, prejudicando seu estado nutricional, prejudica também seus padrões de interação social³.


Foto: da web
Monteiro Lobato escreveu sobre sua personagem: "Jeca Tatu não é assim, ele está assim", se referindo às condições de saúde do pobre coitado. Daí que nós temos pelo nosso mundão afora muitas crianças sendo vistas como mentalmente incapaz quando, na verdade, estão debilitadas devido a parasitoses que muitas vezes não são diagnosticadas. Então, antes de saírem por aí taxando uma criança de preguiçosa ou levando ela a um psiquiatra pra entupir ela de comprimidos psicotrópicos, fique atento às reais condições de saúde dela, não só em relação a parasitoses, mas também a vários outros  fatores que podem interferir em suas relações sociais.




¹MURTA & MASSARA, 2009. Presença de Ovos de Helmintos Intestinais em Ônibus deTransporte Público em Belo Horizonte – Minas Gerais, Brasil.
 
²SOARES & CANTOS, 2006. Detecção de estruturas parasitárias em hortaliças comercializadas na cidade de Florianópolis, SC, Brasil.
 
³MIRANDA, 2011. Efeitos da Educação em Saúde,na Aprendizagem,Mudança de Atitude e Desenvolvimento Cognitivo De Criança de Área Endêmica para Helmintose.