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13.6.11

BEM-VINDO AO MARAVILHOSO MUNDO DE TIBIA

“O ambiente é soturno, uma sala escura, paredes pintadas de azul marinho e prateado. O ar é artificial, beirando sempre os 20° C temperados pelo enorme ar condicionado interno. A luz apagada e o brilho hipnótico dos monitores iluminavam os rostos absortos. (...) Os gritos e xingamentos entre os jovens que jogavam games, impediam que me concentrasse nos meus afazeres digitais e, acima de tudo, eu considerava um “desrespeito” estarem aos berros num lugar em que nem todos estavam realizando a mesma atividade.

(...) Meu computador permaneceu estragado por quase um mês e eu me via obrigada a freqüentar a lan house diariamente para acessar a Internet. Escolhia ir ao início da tarde, na esperança de que não houvesse muitos jovens jogando, mas, para minha insatisfação, eles estavam sempre lá, em qualquer horário, ao menos um, e esse um, mesmo que mais contido, seguia as mesmas ações de seus amigos e, a qualquer momento, um grito tirava-me de minha serena concentração: “AAAAHHHH, VOU MORRER, VOU MORRER!” “VEM, MEU, VEM, ELES VÃO ME MATAR!... VEM LOGO”.

A situação piorava muito quando era um grupo de quatro ou mais pessoas jogando. Mas foi justamente num dia de grande euforia (...) [que] levantei-me de minha cadeira, na tentativa de ser vista, e decidi que faria alguma reclamação. Eles estavam completamente absortos nos vídeos, com fones nos ouvidos e inteiramente vidrados no jogo. (...) Fiquei observando o que se passava, tentando entender aquela gritaria, aquele monte de jovens entrando e saindo, caminhando pela sala. Naquele instante, a minha perturbação virou curiosidade antropológica. O computador que, no meu entendimento, era algo privado, solitário e de relação quase que em simbiose mental e silenciosa entre sujeito e máquina, de repente estava sendo usado em grupo com tanta excitação, gritaria, agito e comoção.”

Esse foi um fragmento de um artigo publicado pela antropóloga Vanessa Andrade Pereira, no qual ela procura apresentar a sociabilidade juvenil por meio das Lan Houses e das interações através de jogos online. Vanessa descreveu o cotidiano de jovens e buscou demonstrar como eles intensificam seus laços sociais através do Tibia.


Fonte: tibia.com
Para quem não sabe, Tibia é um dos mais antigos e mais bem sucedidos jogos multiplayer online. Neste jogo, criado por estudantes alemães, pessoas de todo o mundo se encontram em um mundo virtual para explorar áreas, resolver enigmas complicados e realizar façanhas heróicas. No jogo, são representadas cidades no estilo medieval, florestas, cavernas, desertos, rios e mares, e outros dos mais diversos ambientes, onde os personagens não tem um objetivo específico para finalizar o jogo, pois não se trata de uma história linear. O jogador escolhe o que quer e quando fazer: se quer participar de eventos, conversar, formar grupos, comercializar, treinar, etc. é uma comunidade virtual sem limites de descobertas.

Apesar de ser mais comum entre jovens e crianças, o Tibia é jogado sem distinção de classe, gênero e idade. Para apresentar o mundo ‘tibiano’ aos pais, a empresa responsável pelo jogo disponibilizou informações (que estão sintetizadas a seguir) que demonstram como essas experiências sociais de mundos virtuais podem contribuir positivamente no desenvolvimento da criança.

Em primeiro lugar, para quem critica os jogos digitais como anti-sociais, cabe mencionar que, dentro do ambiente de jogo, é constante o relacionamento com outras pessoas e a formação de grupos em busca de um objetivo geral, o que acaba gerando o conceito de comunidade. Também, neste contexto, é necessário que a criança, ou adolescente (ou seja lá quem for) tome iniciativa numa conversa ou negociação, desenvolvendo seu lado comunicativo.

O respeito às normas do jogo é outro fator importante. Não somente às leis oficias do jogo, mas também às regras que os jogadores estabelecem entre si para que seja possível um ambiente ideal para o desenvolvimento comum. Assim, os jogadores sempre tem em mente as regras de conduta que devem ser seguidas para a manutenção de um ambiente ideal (se bem que nem sempre são seguidas).


Fonte: da web
Outros elementos de Tibia (e de outros jogos online), como criatividade, o exercício do idioma, conceitos básicos de economia dentre outros, poderiam ser considerados aqui. Mas o importante mesmo é lembrarmos que, em muitos casos, o contato interpessoal dentro do jogo, citado anteriormente, passa para o âmbito real, e o jogo fica apenas como um elemento (aliás, um dos) concentrador do grupo, como nota a antropóloga. Grupo este que compreende uma ‘rede de relações’ que vai além do jogo, relações essas que envolve parentesco, amizades de infância ou de escola, namoros, situações de disputa de poder e prestígio, de briga, proteção, ameaças, drogas, constrangimentos e favorecimentos, envolve vários valores dentro e fora do jogo: honra, lealdade, virilidade, beleza, astúcia, sinceridade, honestidade.

Em uma entrevista à revista IHU on-line, a antropóloga Vanessa A. Pereira lembra:

“Os valores da juventude digital são os mesmos da sociedade, das relações familiares. É um erro pensar que o game “cria” um valor que possa ser desconectado de uma referência de vida dos jogadores. (...) Dizer que games de disputas promovem e incentivam a violência, é um exagero. Há uma série de trabalhos na área das Ciências Cognitivas que exaltam a importância do game para o desenvolvimento de certas habilidades em jovens com problemas de dislexia, por exemplo.”

E, para finalizar suas considerações em seu artigo, descreve:

 “No Tibia os níveis de amizade, parcerias e proteções são construídos, mantidos ou quebrados de acordo não só com escolhas pessoais, mas, a partir de uma rede de relações do mundo offline, que interfere e emana para o game.”

A lan-house vai além de jogos e internet, é um local de zuação e diversão, os jovens vão lá para encontrar amigos. Nunca presenciei, ou sequer ouvi relatos de consumo de drogas. Apesar de certa liberdade dada aos jovens, são raras as discussões, e quando ocorrem são logo apaziguadas pelo grupo. Vanessa Pereira ainda nota que, apesar de casos em que os estudantes se ausentem às aulas, é necessário que se reflita a situação da escola (principalmente o ensino público) e a consideração dos jovens ao sistema de ensino. É preciso lembrar também que, o que muitos consideram como 'vício' em games, é só um momento da vida destas pessoas, e essa fixação poderia se dar pela bicicleta, skate... Além do mais, os jovens não deixam de namorar, jogar bola ou ajudar os pais, como diz a antropóloga em entrevista de 2008 à Central da Periferia do Fantástico.

Enfim, o que se busca é desmistificar o cotidiano do jovem dentro da lan-house e em relação aos jogos on-line. Cotidiano que é muito discriminado por quem não compartilha desta realidade, e que é apresentado aqui como parte, como uma continuidade de nossas relações dentro de casa, na escola, ou na rua, e que serve da mesma forma como experiência que vamos levar durante toda nossa vida.

“Parecia inofensivo, mas já te dominou.
Foi ver como que era, provou, gostou,
e nunca mais parou.
Tem gente que critica, mais é porque nunca jogou,
na lan-house o bagulho domina, até o dono já viciou.

Tibia. Esse jogo é ‘mó’ atraso.
Só quem tá ali perto, é quem tá ligado.
Ai, eu canto assim porque foi o que eu vivi,
vejo vários manos que não são diferentes de mim
(...)”
                                    Fatos Reais (MC Tibiano)



Para quem quiser saber mais sobre a experiência da autora dentro da lan-house e sua iniciação dentro do mundo do Tibia, é só CLICAR AQUI.

PEREIRA, Vanessa Andrade. Entre games e folgações: apontamentos de uma antropóloga na lan house Nov. 2007. Etnográfica 11 (2): 327-352

3.6.11

DAS MOSCAS AO TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO

Foto: da web
www.psicoedu.com.br/2016/10/psicologo-escolar-educacional.html

O tema do meu trabalho de conclusão de curso em ciências biológicas foi Veiculação de Ovos de Helmintos por Dípteros Muscóides no Zoológico Municipal de Volta Redonda. Traduzindo, o trabalho consistia basicamente em capturar moscas, aqueles bichinhos que todo mundo adora, e ver se eles estavam carregando ‘ovinhos’ de vermes. É o seguinte, as moscas tem diversos hábitos alimentares, e, dentre eles, as fezes (é, cocô), que é um ótimo substrato, não só para alimentação das moscas adultas, mas também para o desenvolvimento das larvas. 
 
Acontece que durante a visita da Dona Mosca na ‘bosta’ ela acaba se contaminando, e sai de lá carregando um monte de bactérias, protozoários, ovos de vermes e até mesmo vermezinhos que já estão na atividade. Agora, advinham onde elas vão passear depois que saem da tal ‘bosta’. Isso mesmo, na sua salada, no seu bife, no seu suco, enfim, em toda sua comida, além de pousar em toda sua casa, isso quando não aterrissam direto no seu nariz. Vários estudos já demonstraram esta capacidade de transporte, pelas moscas, de diferentes ovos de vermes, entre eles Ascaris (lombriga), Trichuris, Taenia, além de outras espécies não muito freqüentes em humanos.

Foto: da web


Mas não vou me limitar a falar de moscas aqui. Um estudo realizado em 2009 avaliou a presença de ovos de vermes em ônibus da cidade de Belo Horizonte. Resultado, em 100% dos ônibus avaliados foram encontrados os malditos ovos, distribuídos entre bancos, roleta, corrimão, mesa do cobrador... tinha ovo pra tudo quanto é lado¹. Não podemos esquecer também das hortaliças, que são um dos principais veículos de transmissão dessas enfermidades intestinais. Um estudo de 2006 em Florianópolis analisou a presença de parasitas em hortaliças como alface, agrião e rúcula. Todas as variedades examinadas apresentaram elevados percentuais de contaminação².



Foto: da web
Estes exemplos em capitais servem também para não falarem que ‘verme’ é coisa de interior. Nosso país possui clima e situação socioeconômica favoráveis à ocorrência de doenças parasitárias, tanto em áreas rurais quanto em urbanas, devido às baixas condições sanitárias, as parasitoses intestinais são amplamente disseminadas².

Na infância, tanto em pré-escolares quanto escolares, são muito frequentes estas parasitoses intestinais que estão intimamente relacionadas a um déficit no desenvolvimento físico e cognitivo das crianças. Uma possível explicação para estes efeitos está associada à desnutrição, e, portanto, à limitação das reservas de energia disponíveis para os indivíduos infectados, reduzindo sua capacidade para o trabalho físico e mental, sua motivação, sua concentração e, prejudicando seu estado nutricional, prejudica também seus padrões de interação social³.


Foto: da web
Monteiro Lobato escreveu sobre sua personagem: "Jeca Tatu não é assim, ele está assim", se referindo às condições de saúde do pobre coitado. Daí que nós temos pelo nosso mundão afora muitas crianças sendo vistas como mentalmente incapaz quando, na verdade, estão debilitadas devido a parasitoses que muitas vezes não são diagnosticadas. Então, antes de saírem por aí taxando uma criança de preguiçosa ou levando ela a um psiquiatra pra entupir ela de comprimidos psicotrópicos, fique atento às reais condições de saúde dela, não só em relação a parasitoses, mas também a vários outros  fatores que podem interferir em suas relações sociais.




¹MURTA & MASSARA, 2009. Presença de Ovos de Helmintos Intestinais em Ônibus deTransporte Público em Belo Horizonte – Minas Gerais, Brasil.
 
²SOARES & CANTOS, 2006. Detecção de estruturas parasitárias em hortaliças comercializadas na cidade de Florianópolis, SC, Brasil.
 
³MIRANDA, 2011. Efeitos da Educação em Saúde,na Aprendizagem,Mudança de Atitude e Desenvolvimento Cognitivo De Criança de Área Endêmica para Helmintose.