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14.7.11



FILOSOFIGHTERS
As Grandes Batalhas da Filosofia

A revista Super Interessante deste mês apresenta algumas batalhas entre pensadores na busca de uma resposta para diferentes perguntas. Neste post vou reproduzir os principais trechos. De que lado você vai entrar?

CADA UM POR SI, DEUS CONTRA TODOS
A Disputa Mais Antiga de Todos os Tempos: DEUS EXISTE?

Santo Agostinho X Nietzsche

Para os filósofos da Igreja Católica, é claro que Deus existe, pois o tudo não pode vir do nada. Alguém tem que ser o responsável pelo mundo e por todas as coisas que ele contém – e esse é Deus. Simples assim, golpe certeiro.

“Todos os deuses estão mortos”, dizia Nietzsche. Ele afirma que humanos são seres sem consciência de sua pequenez e sua vida passageira que se acham o máximo por ter um intelecto. Para ele foi essa inteligência medíocre que inventou o Deus que conhecemos.


EQUÍLIBRIO DE FORÇAS
Todos os Homens São Iguais? Alguns São Mais Iguais do Que Outros?

Locke X Aristóteles
Para os Iluministas, os homens são absolutamente iguais. Segundo John Locke, a igualdade é tanta que, se alguém for tratado de maneira diferente por seu governante, ele tem o direito de se rebelar e partir para a luta. Nocaute na discriminação.

Aristóteles acreditava que homens robustos são predispostos ao trabalho braçal, mas não tem capacidade intelectual ou moral. Esses estariam destinados à escravidão e a agressões. Já magrelos e nerds nasceram para estudar e comandar a política.


VALE TUDO NO VALE-TUDO?
Somos Realmente Livres? O Golpe Baixo do Existencialismo.

Aristóteles X Sartre
Aristóteles dizia que o homem é livre desde que nada impeça ou limite essa liberdade. Ou seja, assim como no vale-tudo não vale furar o olho, o homem é livre só dentro das regras.

Mas Jean-Paul Satre contra-ataca: para ele, somos tão livres que podemos até escolher furar as regras porque podemos nos responsabilizar pelas conseqüências e ser punidos. Quer dizer, furo no zóio do Aristóteles.



A LUTA DO BOM CONTRA O MAU
O Homem Nasce Bom, e a Sociedade o Estraga? Ou a Espécie Humana Não Tem Jeito?

Rousseau X Hobbes
Na floresta, o homem era bom e vivia da natureza, sem guerras. Até que alguém criou a propriedade privada e a sociedade. Daí para a frente ficamos competitivos e egoístas. Pelo menos é o que dizia Jean-Jacques Rousseau.

Thomas Hobbes acaba de vez com a luta: para ele, a competição e a noção de que o mais forte vence são inerentes à natureza humana. Desse modo, não poderíamos ter criado um mundo sem brigas.


UMA BATALHA SEM SENTIDO
Para Que Tudo Isso? Nossa Vida Tem Sentido?

Kant X Platão

Para Kant, a vida na Terra tem sentido. Mas não para os indivíduos, só para o homem como espécie. Quer dizer, já que o homem é o único ser racional, sua função na Terra é pensar e produzir conhecimento.

Mas Platão não desiste. Para ele, o propósito existe, mas não está ao alcance dos homens, já que fica no mundo das ideias (aquele mundo paralelo que ele criou no qual tudo era imutável e perfeito).



Ah, e ainda criaram um joguinho para você que quer dar umas palmadas em Santo Agostinho, ou em Descartes, Marx ou Maquiavel. É só acessar o site da Super:

  


1.7.11

ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte IV)



Considerações Finais

Um outro ponto que enfatiza um caráter tradicional na sociedade japonesa é a questão do trabalho profissional feminino. (...) as mulheres jovens que, teoricamente, poderiam ter acesso ao sistema de emprego vitalício, estando empregadas como assalariadas estáveis em grandes empresas, são, de fato, precocemente rejeitadas quando estão em idade de ter filhos e forçadas, social e materialmente, a dedicar-se exclusivamente à atividade doméstica. Uma vez terminada a criação dos filhos, para uma parte dentre elas, o retorno a uma atividade assalariada as exclui do sistema dominante de emprego e torna-as, de fato, uma das reservas privilegiadas da constituição de mão-de-obra precária, especialmente as assalariadas em regime parcial.

Podemos agora especular sobre o suicídio também. Diferente do ocidente, a sociedade japonesa tem certa tolerância ao suicídio. As religiões predominantes no Japão não consideram esta prática um pecado, alguns até veem o gesto de forma aceitável, e até valorizada, de se resolver uma situação. Se a pessoa estiver em alguma situação problemática, o suicídio é uma saída honrosa. O suicídio é uma tradição antiga no país, os samurais o utilizavam quando não tinham êxito em uma missão. Na 2ª Guerra Mundial, muitos militares tiraram suas próprias vidas para lavar a honra da nação após a derrota para os norte-americanos, e também não podemos nos esquecer dos kamikazes. Até mesmo idosos muitas vezes se matam para não “atrapalhar” a família.

Quanto aos jovens estudantes, um fator que ajuda a explicar a alta incidência de suicídio é a rigidez da sociedade, que atribui enorme importância a valores como honra e vergonha. A entrada nesse sistema de trabalho apresentado nos posts anteriores é altamente seletiva. Os trabalhadores são cuidadosamente selecionados, e as escolhas que os jovens vão fazer, ainda nas instituições educativas, determinarão suas vidas para sempre. A concorrência acirrada, a insegurança entre os jovens quanto ao futuro, e a pouca exposição de seus problemas à sociedade, junto a uma tradição histórica levam ao grande número de suicídios no país.

Bem, confesso que neste ensaio deixei muitas coisas vagas na medida em que a intenção era apenas mostrar minha opinião em um (ou vários) posts num blog. Mas acredito que tenha sido suficiente para mostrar minha visão do que acontece naquele país que, apesar de ser uma grande potência econômica, não se assemelha com as potências ocidentais e, portanto, não podemos ver os fatos que lá ocorrem ligados a uma visão puramente capitalística.

¹HIRATA, Helena; ZARIFAN, Philippe. Força e fragilidade do modelo japonês. Estudos Avançados vol. 5 n°12 São Paulo 1991

UENO, Kayoko. Suicide as Japan’s major export? A note on Japanese Suicide Culture. Revista Espaço Acadêmico n°44. 2005
ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte III)



Tradição e Modernidade

(...) entenderam que a produção de subjetividade talvez seja mais importante do que qualquer outro tipo de produção, mais essencial até do que o petróleo e as energias. É o caso do Japão, onde não tem petróleo, mas se tem – e como! – uma produção de subjetividade. É essa produção que permite à economia japonesa se afirmar no mercado mundial, a ponto de receber a visita de centenas de delegações patronais que pretendem “japonizar” as classes operárias de seus países de origem.
Félix Guattari

Sou forçado a crer que o trabalhador japonês não foi forjado pelo capitalismo. Lá, onde muitos tendem a ver como um apogeu do capitalismo, ou o triunfo do individualismo, sou tentado a ver um misto, uma interseção entre tradição e modernidade. Sabe-se que os japoneses começaram por assimilar as tecnologias existentes nos países europeus de industrialização avançada. Mas, não se limitaram a uma simples imitação. Estabeleceram um rigoroso processo de seleção e de reapropriação dessas tecnologias, aperfeiçoando, assim, o seu uso. A competência tecnológica japonesa se tornou possível, não só através de conhecimentos técnicos, mas sim a partir de um conjunto de comportamentos, de práticas sociais, que asseguraram o desenvolvimento concreto das ciências e das técnicas no cerne dos processos industriais. Dessa forma, foi possível o Japão alcançar uma performance superior às dos seus concorrentes, que só pode ser obtida graças a uma qualidade inédita de organização e de implicação dos trabalhadores.

Vejo aí uma contribuição das antigas tradições, estabelecendo a ordem do sistema capitalista japonês. Esse sistema vitalício de emprego leva a uma identificação da vida profissional à vida de uma empresa, e a vida da empresa à vida pessoal. Comparado com o ocidente, podemos dizer que as jornadas de trabalho são maiores. Mas também podemos dizer que na sociedade japonesa, o trabalho não é visto como realidade isolada, individualizada, inteiramente divorciada do homem que a realiza. (...) vida profissional e vida pessoal acabam quase por se confundir. As preocupações relativas ao trabalho estendem sua interferência além das horas estritamente passadas na fábrica: alimentam as conversas à noite e nos fins de semana,onde se encontram os assalariados que trabalham em um mesmo departamento ou fábrica¹.

Contrariamente à prática dominante no França [e no ocidente em geral], em que cada indivíduo teria interesse para sua própria promoção e para sua própria proteção, em reter saber, no Japão, a atitude é diametralmente inversa. Não apenas as transferências recíprocas de conhecimento e de experiência são legítimas e favorecidas, como também os comportamentos individualistas de reter saberes são julgados negativamente e enfraquecem a posição do indivíduo que os praticaria. Por outro lado, sendo o coletivo a base da organização, ele se torna naturalmente um lugar de acolhimento e de socialização, onde as diferenças de competência são reconhecidas como normais e motivam a tomada de iniciativa, por parte do coletivo, do preenchimento de carências ou deficiências profissionais que os indivíduos venham a manifestar¹.
ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte II)

filme: The Last Samurai (2003)


Bushidô: O Caminho dos Samurais

Bushidô (bushi: samurai, guerreiro; do: caminho) pode ser traduzido literalmente como caminho do guerreiro. Ou seja, é um conjunto de práticas e disciplinas que determinavam o modo de vida da classe guerreira do Japão feudal, os samurais, que, segundo dados históricos existiram desde o século XII até o XIX.

Lealdade, etiqueta, e educação eram princípios pregados pelo bushido. Um samurai honrado deveria ser leal a seus superiores. Mas o caminho do guerreiro não era apenas o da espada. O samurai tinha que se dedicar e apreciar tanto a arte da guerra quanto a arte do saber. Esta filosofia se estende ao ambiente familiar, à criação dos filhos, o cultivo de uma boa aparência, a prática da leitura ou escrita etc. A etiqueta deve ser seguida todos os dias da vida cotidiana, até mesmo na guerra. Os samurais também precisavam ter autocontrole, desapego e disciplina para manter a sua honra. Enfim, justiça e sinceridade, moral e honestidade, honra e glória, são virtudes que mediavam suas vidas, o caminho do guerreiro exige que a conduta de um homem seja correta em todos os sentidos.

A partir do século XVII, o bushido começa a perder sua importância como instrumento de guerra e a ganhar uma conotação mais educacional. Após a restauração Meiji, período que marca o fim do sistema feudal do Japão no século XIX, a classe guerreira deixou de existir e, assim, nada mais restava das antigas circunstâncias que sustentavam as tradicionais técnicas de guerra. As transformações políticas ocorridas na era Meiji possibilitaram a centralização da administração pública no país e a intervenção do Estado na economia. Por sua vez, isso permitiu a assimilação da tecnologia ocidental, preparando o Japão para o capitalismo.

Para preservar as tradições do bushidô foram necessárias mudanças para se adaptar aos novos tempos. O budô aparece então como ferramenta educacional e formadora de caráter. Através dessas práticas se cultivaria o corpo, a mente e o espírito para o auto-desenvolvimento. Com a extinção dos samurais, as técnicas estavam agora abertas para toda sociedade. Não se buscava mais a eficiência militar, mas caminhos educacionais para o aperfeiçoamento humano que estavam agora ao alcance de qualquer um. Assim, como já havia mencionado no post anterior, algumas práticas marciais adequaram seus métodos com a incorporação da filosofia do budô.
  
O caminho do guerreiro adquiriu um novo sentido quando descobrimos que o mais perigoso na verdade está em nós mesmos. Neste contexto, podemos considerar o budô como caminho que conduz ao nosso desenvolvimento interior. No entanto, o budô, não se pratica apenas num dojo, pois trata-se de uma arte de viver que se experimenta a cada instante, e deve ser seguido todos os dias da vida cotidiana, em cada ato. Daí a forte influência do bushidô no estilo de vida do povo japonês.

É difícil dizer como e até que ponto essa tradição está integrada, subjetivamente, nos indivíduos. Mas isso me parece ser um elemento essencial na forma como se constitui a sociedade nipônica até hoje, da maneira como eles se relacionam entre si e com os estrangeiros, nos momentos de guerra [com os kamikazes], nas situações de catástrofes, e até mesmo como se estabelece o sistema sócio-econômico japonês.
ENTRE MÁQUINAS E SAMURAIS
(Parte I)



Minha pequena genealogia do Japão

O que eu espero discutir aqui neste post é a respeito do que se passa do outro lado do mundo. Todos sabem que o Japão é uma das maiores potências econômicas mundiais, perdendo apenas para os Estados Unidos e, talvez, para a China, que vem crescendo cada vez mais nos últimos anos. Mas o que estou colocando em questão é se o desenvolvimento econômico japonês acompanha, ou não, um conjunto de práticas ocidentais que tem o indivíduo como elemento essencial. Quero mostrar que, mesmo numa grande potência capitalista, a noção de individualidade pode não existir, e o indivíduo deve adequar-se às necessidades de um coletivo.

Algumas discussões em sala de aula sempre nos levam a comparar nossas culturas regionais e, às vezes, mais longe, tomamos como comparação diferentes sociedades. Aí aparecem comentários de que na terra do Tio Sam é assim, no Japão é assado, blá, blá, blá. Esse papo, às vezes, me incomoda, aliás, apesar de certo conhecimento de nossa parte, quem somos nós para dizer o que se passa lá na terra do sol nascente? Quem somos nós pra julgar o modelo capitalista japonês? Será que realmente conhecemos como funciona a exploração do trabalho no Japão? Quem somos nós pra especular sobre o suicídio dos jovens japoneses? Da onde tiramos as idéias de que japonês fica feliz quando algum ente querido morre? Japão. Japonês. Japão... Não que eu esteja dizendo que essas explanações estejam erradas (se bem que não concordo com algumas delas), mas só quero apresentar minha maneira de interpretar a realidade nipônica. Como mostra a socióloga Helena Hirata¹, é uma ousadia vermos o modelo de produção e industrialização japonês totalmente isolado de seu contexto, de sua história e das contradições sociais em que foram gerados.

Não, eu também nunca fui lá. Nunca saí do Brasil, quem dirá ir pro outro lado do mundo. E também não sou dono da verdade, aliás, quem sou eu também? Mas quero propor aqui uma nova perspectiva para que possamos perceber aquela cultura, que realmente está muito longe da nossa, com uma nova visão, que não aquela que faz com que vejamos o Japão do mesmo modo que outras grandes potências econômicas onde o que se tem em vista não é o coletivo e sim o capital.

Também não estou tomando uma posição de defesa, ou de 'puxa-saco', do Japão. Pelo contrário, meus sete anos de práticas de artes marciais japonesas me levaram a entender um pouco mais da cultura nipônica, e fizeram com que certo interesse da minha parte por essa cultura desse lugar a um sentimento de ‘como é bom ser brasileiro’. Mais do que entender, essas mesmas práticas contribuíram para que eu pudesse sentir um pouco desses costumes, aliás, é o mesmo bushidô, que pretendo apresentar aqui, que entra com o sufixo em karate-dô, judô, aikidô, kendô e tantos outros, mostrando que essas artes são mais do que técnicas de luta. Este pode ser traduzido como uma conduta, um caminho, um conjunto de métodos que visam o desenvolvimento pessoal, a formação do caráter, a disciplina dos praticantes. E são essas mesmas condutas, os mesmos rituais, que penetram em toda sociedade japonesa. Seja na grande metrópole de Tóquio, ou num vilarejo do isolado arquipélago de Ryukyu, o bushidô (ou budô) está presente nas empresas, na escola, nas academias, nas casas, na hora de comer.

E é exatamente neste ponto que eu queria chegar. Como este antigo fenômeno cultural, que teve origem no período feudal japonês, se manteve até hoje e se adaptou ao modelo capitalista introduzido pelos ocidentais, principalmente ingleses, no século XIX – período que marca também o fim do período feudal – e mais tarde pelos americanos após a segunda grande guerra?